quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Sobre estrelas, milhões e o meu anonimato saudável.

O cinema em seu principio era algo amador. Os filmes eram feitos por diretores oriundos do teatro ou por homens com pouco afinco com qualquer tipo de arte. O status e importância da figura do cineasta em um set é algo que só surgiria tempos depois. Os atores, por sua vez, vinham de teatros amadores, circos ou eram selecionados na rua de acordo com seus tipos físicos. Não era necessário memorizar páginas infindáveis de textos, tampouco era necessária uma interpretação arrebatadora. O importante era a atração em si. E foi assim, meio anárquico, meio desajeitado, que o cinema surgiu no início do século.

A brincadeira só começou a ficar séria quando os “homens de negócios” (com o perdão da expressão), tiveram a brilhante idéia de potencializar algo que os seus próprios criadores desacreditavam. Chegava ao fim o cinema como atração popular. Era tempo de criar uma indústria, reposicionar o cinema com arte (burguesa) e principalmente torná-lo lucrativo. Méliès, que morreu pobre e faminto pelas ruelas parisienses, não teve tempo de gozar das notas verdes que surgiriam aos montes nos bolsos de diretores, atores e principalmente produtores a partir da segunda década do século passado.

Depois disso, a história já é conhecida: surgem os imponentes e megalomaníacos cinemas-teatros, a divisão do trabalho cria muitos dos cargos que hoje conhecemos (diretores de arte, roteiristas, produtores etc) e principalmente o chamado starsystem – figuras meio mito, meio humanos que pairavam sobre o imaginário das platéias no mundo todo. Lembrem-se que até metade do século XX o cinema era realmente influente nos costumes, na moda e no estilo de vida não só de americanos.

Aqui estamos no início do século XXI, mais de 100 anos depois das primeiras exibições do cinematógrafo. As estrelas de Hollywood não representam tanto como representavam para a sociedade até meados da década de 50. Porém, continuam com seus salários milionários e alvo das lentes de fotógrafos de celebridades. E tão rápido quanto um clique da câmera de um paparazzo é a velocidade com que atores e atrizes podem ser levados à glória ou para a lama.

Imaginem o que passa na cabeça de um jovem com pouco mais de vinte anos que sai de país para tentar alcançar o estrelato (ou seria apenas trabalhar?) em um país outro. Em pouco tempo conhece pessoas influentes, consegue contratos milionários, vira um símbolo sexual, é indicado ao Oscar, casa-se com uma ex-extrela adolescente e conhece o mundo todo.

Heath Ledger alcançou o sonho americano com uma rapidez impressionante e talvez ele não estivesse preparado para isso. Se para nós os cachês milionários nos parecem absurdos, imaginem o que é viver longe da família, perder todo o contato com seus antigos amigos, ficar cercado por pessoas interessadas exclusivamente no que você simboliza, ser seguido por paparazzos 24h por dia, ter que manter a boa forma, trabalhar 20h diariamente e ainda ser cobrado por jornalistas pelo bom desempenho em suas atuações.

Não é difícil imaginar que sua ex-mulher fosse a sua única companheira, amiga e confidente realmente confiável. Após o fim do casamento, deve ter se visto sozinho, emocionalmente abalado e mesmo assim obrigado a cumprir todos os seus compromissos de estrela.

Claro que são apenas suposições. Porém, penso que um coquetel emocional dessa natureza não poderia ter um final feliz. Penso que quando vamos ao cinema não reconhecemos os seres humanos que são projetados na tela. São figuras distantes e ao mesmo tempo tão próximas. Podemos saber tudo sobre suas vidas sem nunca vê-las pessoalmente. Podemos saber todos os detalhes da vida intima das estrelas mais do que talvez os próprios familiares saibam.

Antigamente, o lado B dos astros só vinha à tona anos depois, quando algum biógrafo decidia escancarar a intimidade de estrelas que já estavam mortas. Agora não. Não é mais necessária uma investigação profunda e minuciosa. Se alguém cheira cocaína em casa, dias depois lá está um vídeo no youtube. Se alguém trai, lá estão as fotos na Internet horas depois. Será que alguém realmente irá se interessar por uma biografia da Britney Spears? Não, já sabemos de tudo. Vimos tudo.

Sinceramente, não troco minha vidinha pacata, anônima e saudável por Hollywood. Porém, fico aqui pensando: quem se lembrará de um tal José Bruno quando eu morrer? Heath vai ser provavelmente o James Dean da nossa geração, será lembrado por um filme que é uma das maiores histórias de amor que o cinema já contou (um clássico de Ang Lee) e provavelmente fará o melhor vilão de um filme baseado em quadrinhos em todos os tempos. Ok, os milhões parecem realmente tentadores...